Todos nós já ouvimos a expressão de "os jovens de hoje não se importam com política” para, em seguida, ouvirmos uma longa explicação de como “as coisas eram diferentes em outro tempo”. Nossos pais, nossos avós passaram por um período conturbado não só na política brasileira, como em todo o mundo. É quase impossível para aqueles que brigaram pela democracia em época de ditadura ou ajudaram a derrubar um presidente, entender como podemos ser tão relapsos quanto a quem votamos, a quem colocamos no poder. O que eles não entendem é que somos fruto de uma democracia já estabelecida. Não tivemos que lutar pelo direito de dizer o que quisermos, de fazer o que desejarmos.
Na paris da década de 60, houve uma revolução apenas porque o reitor da universidade de Nanterre proibiu os rapazes de visitar o dormitório das moças. Os rapazes, então, resolveram invadir a secretaria da universidade em protesto. O reitor, assustado, suspendeu as aulas e mandou chamar a polícia. Descontentes com essa política oficial, os jovens se uniram com estudantes de outras universidades, como a Sobornne e continuaram com os protestos, tendo sempre a mesma reação: aulas suspensas e polícia acionada. Como em todo épico, a história não parou aí. Cada vez mais pessoas aderiram aos protestos, só que dessa vez não apenas estudantes, mas trabalhadores, donas de casa, praticamente toda Paris ficou empolvorosa. O fim dessa história todos conhecem, o exército foi chamado e o protesto foi finalizado a base da força. Eleições foram convocadas e o presidente De Gaulle foi confirmado no poder, o que, talvez, tenha sido uma decepção para os jovens revoltosos. Mesmo que tivesse perdido o poder político, uma frase que era comumente pichada nos muros de Paris tenha ficado como marco dessa revolução, e como a maior vitória alcançada pelos jovens daquele país: “Défense d`interdire!” (É proibido proibir!).
No Brasil a revolução foi mais longa e cansativa. Protestos, prisões, pessoas exiladas. Tudo isso como forma de protesto contra a perda dos seus direitos individuais. Todos já conhecemos a história da ditadura. O momento histórico escolhido, desta vez, é o do impeachment do presidente Collor. A cada dia, nos jornais, novas denúncias eram feitas, corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência... Talvez essa tenha sido a primeira vez que tanta falcatrua era feita no mesmo mandato e em tão pouco tempo. Um feito de tanta magnitude teve uma reação em igual intensidade. Jovens em todo o país pintavam seus rostos e saíam em protestos pelas ruas, pedindo o impeachment deste presidente. Acredito que todos saibam como funciona a política. Pequenas fraudes, pequenas maracutaias são perdoadas se você dá um quinhão do faturamento para as pessoas certas e se ninguém descobre, ou parece se importar, você está livre para continuar. Por esse motivo o movimento dos cara pintadas foi tão importante. Era impossível ignorar milhões de jovens ensandecidos andando pelas ruas com seus rostos pintados, exigindo a saída do presidente. O resultado disso? Uma transmissão ao vivo, da votação do impeachment. Este que vos escreve teve o prazer, e a honra, de acompanhar essa transmissão. Ouso dizer que tenha sido a mais importante transmissão televisiva já feita no Brasil. A força dos jovens tinha conseguido, enfim, derrubar a pessoa de cargo mais importante na política brasileira.
Agora, talvez, alguém me pergunta se, com tudo isso já dito, eu não concordo com a visão dos nossos pais. Eu acredito que não. Movimentos estudantis... Movimento de jovens que protestam contra a extinção de seus direitos, ou pela manutenção dos mesmos podem ter sido comuns na década de 60/70/80. Entretanto, em comparação com a história da humanidade, são ocasiões raras. Os jovens sempre foram relapsos com a democracia e a política, principalmente quando eles não passaram por uma fase de transição, como a ditadura, o presidente Collor. Não que isso seja uma coisa ruim, estamos acostumados a uma democracia forte, já estabelecida. Poucos de nós podem lembrar o início da década de 90, de como era a política e a economia naquela época. Então, porque se importar? Podemos comprar quase tudo o que desejarmos, podemos ser quem quisermos, sem que alguém nos prenda ou nos proíba.
Minha vez de questionar: de quantos jovens, que não participaram destes movimentos, voc6es já ouviram falar? Todos eles levaram uma vida comum, medíocre, contente com a realidade na qual estavam inseridos, nunca se questionando, nunca levantando a voz. Somos livres para vivermos e morrermos como desejarmos. Inclusive para morrer como ser nunca estivéssemos existido, perdendo a chance de, talvez, ajudar a mudar o mundo. Utópico? Provavelmente foi o mesmo que pensaram os jovens que da Paris de 68 ou Brasil no início dos anos 90.
Outro fato que chama a minha atenção em época eleitoral é o quão gays podem ser tão abnegados. Dentre todas as minorias, os gays permanecem sendo os que menos se preocupam com política, os que menos se importam em votar em pessoas que desejam defender seus direitos. Talvez esperando que alguma luz divina ilumine a mente da bancada evangélica, entre outras, e que eles permitam alterações na constituição para que gays possam ter o mesmo direito que héteros.
Política não é sobre bem ou mal, sobre certo ou errado. Política é sobre poder. Poder de tornar seus sonhos, seus desejos realidade. Ou de, ao menos, manter um equilíbrio, resultante da divergência de outros grupos com interesses díspares. Permanecemos com a visão de que política não é algo que nos interessa, que nos afeta. Esquecemos que a não aceitação do “casamento gay” passa pelo congresso e é votado por políticos, que a calça Diesel, as camisetas Armani que compramos, pagam impostos que são determinados no congresso. Não precisamos estar diretamente envolvidos com a política diretamente, mas todos estão sujeitos aos reflexos do que é decidido por ela.
Todas as minorias têm sua bancada. Todas elas fazem valer a sua opinião, e o mais interessante, democraticamente. Enquanto não nos dermos conta que, sem alguém que nos defenda da única forma que faz a diferença, pela política, permaneceremos sendo vítimas da injustiça, da indiferença, do preconceito, da exclusão. O que me leva a pensar que boa parte desta minoria gosta do papel de vítima, porque é infinitamente mais fácil reclamar de um mundo injusto do que tentar mudá-lo.
Como sempre é uma questão de escolhas. A escolha de continuar contente com o papel de vítima e morrer no anonimato, vivendo e morrendo como alguém medíocre, limitado, ou lutar pra fazer do mundo, do seu mundo um lugar melhor pra viver. A chance de fazer as coisas acontecerem está próxima. Em dois finais de semana, poderemos mostrar que entraremos nessa briga pra valer ou então podemos continuar reclamando de como o mundo é injusto quando o ministro do Supremo Tribunal indeferir a união estável entre casais do mesmo sexo. Então, o que você vai escolher?
Será que você escolherá lutar pra ser tratado como um ser humano? Escolherá lutar para ter os mesmos direitos que cidadãos héteros? Lutará não pela aceitação, mas pelo respeito? Eu escolhi lutar. Não pelo direito de casar, pelo direito de adotar. Escolhi lutar pelo direito de poder fazê-lo se assim o desejar. Escolhi lutar para que o mundo possa me ver como eu sou, para que possam me tratar com o respeito e a dignidade que todos merecemos. Porque, no fim, não se importa se você é homossexual, ou heterossexual, o que importa é que todos somos humanos. Por mais simplória que possa ser essa afirmação, é justamente ela que acabamos por não ver, ou não se importar. Escolhi lutar para dar um basta a todo esse preconceito, essa hipocrisia. Ao menos até que, enfim, todos possam ver o que realmente somos: humanos como todos os outros.